Constantemente nos deparamos com a polêmica questão: o consumo excessivo de açúcar pode ser comparado a um vício em substâncias psicoativas? Essa discussão, que intriga tanto o público quanto a comunidade científica, levanta dúvidas cruciais sobre a natureza da nossa relação com alimentos ultraprocessados. Embora haja controvérsias entre os especialistas sobre a existência de um “vício em comida” no sentido estrito, é inegável que certos alimentos, ricos em açúcar, ativam vias de recompensa cerebrais que merecem nossa atenção. Vamos aprofundar essa análise com base em evidências científicas.
Apesar das discussões, existem notáveis similaridades entre o consumo compulsivo de alimentos altamente palatáveis – como doces e chocolates – e os padrões observados em vícios. A neurociência tem demonstrado que o açúcar pode ativar o sistema de recompensa cerebral, liberando dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à motivação, de forma semelhante ao que ocorre com algumas drogas. Os principais pontos em comum incluem:”
- Consumo Descontrolado: Ingestão de quantidades maiores ou por um período mais longo do que o planejado.
- Desejo Intenso e Tentativas Frustradas de Redução: A dificuldade em diminuir ou cessar o consumo, mesmo com o desejo de fazê-lo.
- Impacto Negativo na Saúde: Continuação do consumo de açúcar mesmo ciente dos prejuízos à saúde, como no caso de um diabético que não consegue parar de comer doces.
- Tolerância: Necessidade de aumentar o consumo para atingir a mesma sensação de prazer ou alívio.
- Sintomas de Abstinência: Manifestações físicas ou emocionais desagradáveis na ausência do alimento.
- Preocupação Excessiva: Pensamentos recorrentes sobre a obtenção e consumo do alimento, como a necessidade urgente de um chocolate.
- Isolamento: Consumo do alimento de forma isolada ou escondida.
As Diferenças Cruciais: Impacto Social e Sobrevivência
“É fundamental ressaltar que, enquanto os pontos de convergência neurobiológicos são evidentes, o “vício em alimentos” se distingue de um vício em drogas em termos de impacto social e funcionalidade. O consumo excessivo de açúcar raramente acarreta as graves consequências sociais observadas na dependência química, como perda de emprego ou ruína financeira. Não trocamos bens essenciais por um pacote de açúcar, nem causamos constrangimentos sociais graves devido ao consumo excessivo de doces. Essa distinção é crucial para não patologizar comportamentos que, embora prejudiciais à saúde, não configuram uma dependência nos moldes tradicionais.”
O Papel do Açúcar no Cérebro e a Compulsão Alimentar
“A ciência avança na documentação de como alimentos ricos em açúcar ativam regiões cerebrais ligadas ao sistema de recompensa, aos receptores de opioides, ao controle de impulsos e à regulação da fome. Estudos, inclusive, indicam que o consumo de refrigerantes pode ativar as mesmas regiões cerebrais relacionadas ao vício em drogas em adolescentes com sobrepeso, sugerindo uma base neurobiológica para o consumo compulsivo.
É vital diferenciar a compulsão alimentar, que é um transtorno alimentar reconhecido, do conceito de “vício em alimentos”. A compulsão alimentar é um transtorno complexo e não seletivo, onde o indivíduo pode iniciar com um alimento específico, mas continua a comer o que estiver disponível, acompanhada por uma sensação de perda de controle e angústia significativa. Neste cenário, a intervenção profissional (médica e psicológica) é o primeiro passo, com o acompanhamento nutricional atuando como suporte complementar.”
A Perspectiva Profissional: Saúde e Equilíbrio
“Na minha prática profissional, observo que muitas pessoas enfrentam dificuldades significativas para moderar o consumo de certos alimentos, frequentemente devido a uma forte relação emocional com eles. A privação excessiva, por exemplo, pode levar a episódios de descontrole.
Minha recomendação é clara: se há uma dificuldade persistente em controlar o consumo de açúcar e ultraprocessados, e existe a possibilidade de acompanhamento psicológico e médico, não há razão para evitar essa ajuda em nome de uma “não privação”. Consumir uma sobremesa em uma ocasião especial difere drasticamente da necessidade de “caçar” um chocolate após o almoço ou de estocar doces em casa. Radicalizar, seja na privação total ou no consumo descontrolado, não é o caminho para uma relação saudável com a comida.
É importante lembrar que, embora doces sejam saborosos, eles não são essenciais para nossa sobrevivência. Nosso corpo funciona perfeitamente bem sem açúcar adicionado e alimentos ultra processados, promovendo uma saúde muito mais robusta.
*Se esse for o caso, procure ajuda médica e psicológica…. a nutricionista só entra depois.
Gordon, E. L., Ariel-Donges, T., Stuart, G. L., & Meredith, S. E. (2018). What is the Evidence for “Food Addiction”? A systematic Review. Nutrients, 10(2), 243.